As Meninas

“Num pensionato de freiras paulistano, em 1973, três jovens universitárias começam sua vida adulta de maneiras bem diversas. As Meninas colhe essas três criaturas transitando em pleno movimento, num momento de impasse em suas vidas.

Transitando com notável desenvoltura da primeira pessoa narrativa para a terceira, assumindo ora o ponto de vista de uma ora de outra as protagonistas, Lygia Fagundes Telles constrói um romance pulsante e polifônico, que capta como poucos o espírito daquela época conturbada e de vertiginosas transformações, sobretudo comportamentais.”

Informações:

Editora: Círculo do Livro

Autora: Lygia Fagundes Telles

Ano da 1ª publicação: 1973

Ano desta edição: 1977

Gênero: Romance

Páginas: 247

“Uma boa menina. Ana Clara também é uma boa menina, eu também sou uma boa menina.”

Essa obra clássica de Lygia Fagundes Telles se passa no período do regime militar e traz no centro da narrativa três meninas, universitárias, que possuem passados e origens muito diferentes. Contudo, apesar das personalidades e realidades contrastantes, encontraram umas nas outras apoio mútuo, amizade verdadeira e alguém com quem contar nas horas de dificuldade. A história se desenvolve em São Paulo, na década de 70 (em meio a greve estudantil), tendo o Pensionato de Freiras - local que hospeda as estudantes - como o espaço principal da trama.

Lorena, uma jovem burguesa, de família rica. Na infância presenciou um de seus irmãos (Remo) matar o outro (Rômulo) -acidentalmente - com um tiro de espingarda. Após esse ocorrido, a saúde do pai declinou até que veio a falecer e sua mãe, obcecada por se manter jovem, casou-se novamente com um rapaz muitos anos mais novo, tendo que aguentar as traições e os gastos excessivos do marido.

Formando-se em direito, Lorena é apaixonada por um homem que chama de M. N. - Marcus Nemesius, um médico renomado e casado, com cinco filhos. Sonhando em se casar com ele, a jovem passa seus dias sonhando acordada e escrevendo cartas apaixonadas que nunca seriam enviadas. Seu drama familiar coincide com o drama amoroso, pois busca no amante aquilo que faltou durante seu crescimento: uma figura masculina presente que a ame e proteja. Apesar de tudo isso, no livro não é revelado que fim deu esse romance - ou se ao menos era algo real e não apenas a imaginação da menina.

Lia, vinda da Bahia - a mãe é baiana e o pai um alemão ex-membro do exército nazista. Estudante de ciências sociais, envolve-se com os protestos de esquerda e a militância política contra a “ditadura”. Apesar de ser esforçada e determinada, precisa trancar a matrícula por ter notas cada vez piores e faltas cada vez maiores ao se envolver mais e mais com o movimento estudantil e deixar os estudos de lado.

Com o namorado, Miguel, preso, conta com ajuda dos amigos da organização para encontrar uma forma de fugir do país com o amado. Sempre pensando em tornar o Brasil um país melhor e fazer a voz do povo ser ouvida, sua luta toca e comove o leitor, principalmente com os relatos de tortura. Contando com o apoio de Lorena, Lia se mantém firme na luta pela liberdade do amado.

Ana Clara, uma menina que sonha ser modelo e viver no meio do luxo e da riqueza. Seu passado explica muito sobre suas ações no presente: sua mãe era prostituta e engravidou de um homem aleatório. Ana “Turva” cresceu na miséria, vendo sua mãe se relacionar com homens cada vez piores até engravidar novamente e morrer em uma tentativa de aborto, além deter sido abusada sexualmente na infância por estes mesmos homens.

A jovem estudante de psicologia, que assim como Lia tranca a faculdade, é viciada em drogas e se envolve romanticamente com um traficante - Max. Apesar disso, sempre afirma ter um noivo rico ao qual chama de “escamoso”, prometendo a si mesma largar as drogas e Max para se casar com o misterioso homem, ficar rica e voltar para os estudos de psicologia. (“O ano que vem. Destranco a matrícula e faço meu curso fácil sou inteligente à beça.”). Apesar disso, o noivo nunca aparece, e Ana Clara não consegue evitar que a história de sua vida se repita.

“… meu amado, escuta, entenda isso, quero a verdade. E você sugere reticências.”

Vivendo em um período complicado e em uma fase que é cheia de incertezas, onde achamos que somos os mais inteligentes e sabemos melhor, Lorena, Lia e Ana Clara mostram que o apoio e a amizade verdadeira dão base e sustentação e força para seguir nos dias difíceis.

Sempre humilde e querendo ajudar, Lorena oferece carro e dinheiro para as amigas e sempre as ajuda a sair das encrencas em que se metem. Apesar da personalidade pura e inocente que aparenta, a jovem é muito mais esperta e sagaz do que dão crédito a ela, mostrando não só conhecimento intelectual, mas cultural e estratégico a todo momento.

Lia, com sua determinação e força de vontade, sempre está pronta para aconselhar e guiar as amigas quando estas se encontram em encruzilhadas. Auxiliando Lorena no romance desastroso e Ana Clara nas confusões em que se mete, Lia é quem descobre mais a fundo os problemas familiares que a primeira enfrenta sozinha e as mentiras que a segunda conta para apaziguar os ânimos daqueles que se preocupam com ela.

Ana Clara por outro lado se mostra mais interesseira, mantendo-se perto das duas por tudo aquilo que elas podem lhe proporcionar: dinheiro, conselhos e fugas. Sua vida malfadada desde a infância leva o leitor a se confundir por vezes, se o que ela narra é real ou apenas mais uma de suas mentiras - sendo assim uma narradora não confiável, por ver apenas o seu lado. Ainda assim, é ela quem traz diversão para os dias tristes de Lorena e obscuros de Lia.

Com a narração sendo alternada entre o ponto de vista delas e em 3ª pessoa, se o leitor não estiver atento pode se confundir e se perder na história e nas nuances trazidas por cada detalhe descrito.

Três meninas, tão diferentes e ao mesmo tempo tão semelhantes em suas lutas diárias… E assim como acontece na vida real, sempre chega aquela hora em que cada uma precisa seguir seu rumo, trilhar caminhos diferentes, mesmo daquelas amizades tão fortes. O momento da separação se aproxima com o fim da história, e esta não poderia ter sido mais surpreendente, trágica e tão verossimilhante.

“Para que eu seja inteira (essencial e essência) é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim.”

A leitura dessa obra foi certamente interessante, principalmente pela história por trás da publicação, já que na época o livro passou por um triz pela censura ao ter inicialmente um ritmo moroso e entediante para o fiscal, que claramente não leu tudo já que há um relato explícito de tortura na segunda metade da narrativa.

Outro fato interessante é que em 1995 um filme baseado na obra de Lygia Fagundes Telles foi dirigido por Emiliano Ribeiro e protagonizado por Adriana Esteves, Drica Moraes e Cláudia Liz. Eu assisti ao filme após terminar a leitura e achei que fatos importantes da história foram omitidos, outros foram alterados o que dá um ar manipulativo às personagens que não havia na obra, principalmente sobre a personagem Lorena.

No fim a máxima de que “os livros são melhores que os filmes” mantém-se verdadeira.

Para ler esse livro é preciso ter uma mente aberta, porém firme - principalmente por conta das experiências das protagonistas e seu linguajar que, de acordo com a autora, foi inspirado no modo de falar dos amigos do filho - e compreender a realidade da qual cada personagem veio e a realidade em que elas viviam, para enfim entender suas motivações, ações e reações.

Pois como disse Leonardo Boff: “Todo ponto de vista é a vista de um ponto”.

“Imaginamos consequências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões. Não nos esqueçamos das cicatrizes feitas pela morte.”

Lygia Fagundes Telles

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