Incidente em Antares

“É 11 de dezembro de 1963. Greve geral em Antares. O fornecimento de luz é interrompido, os telefones não funcionam mais, os coveiros encostam as pás. Dois dias depois, uma sexta-feira 13, sete pessoas morrem - entre elas d. Quitéria, matriarca da cidadezinha. Insepultos e indignados, os defuntos resolvem agir: querem ser enterrados. Reunidos no coreto, decidem empestear com sua podridão o ar da cidade. Enquanto ninguém os enterra, porém, resolvem acertar as contas com os vivos e passam a bisbilhotar e infernizar a vida dos familiares.”

Informações:

Editora: Companhia das Letras (selo Companhia de Bolso)

Autor: Erico Verissimo

Ano da 1ª publicação: 1970

Ano desta edição: 2006

Gênero: Ficção Fantástica

Páginas: 494

“A gente esquece com facilidade. As gerações se sucedem. Cada governo escreve a História de acordo com as suas conveniências.”

Mais do que apenas um romance ou uma ficção fantástica, Incidente em Antares é uma crítica política e social com toques de humor e ironia. Dramatizando acontecimentos em uma cidade fictícia, o autor mescla muitíssimo bem elementos reais e fictícios - o que esperar desse clássico atemporal, não é mesmo?

Dividido em duas etapas: Antares e O incidente, Verissimo constrói uma realidade dentro da nossa, caracterizando elementos e figuras importantes da nossa história de maneira ímpar.

Sua inspiração para a escrita desse livro foi no mínimo curiosa… Em uma viagem, ele leu uma notícia que informava sobre uma greve de coveiros. Foi aí que surgiu em sua mente a seguinte questão, “e se os mortos fizessem uma greve contra os vivos?”. Para o nascimento de uma história, basta uma semente de criatividade! Na época, o autor estava escrevendo outra narrativa, porém a ideia lhe persistiu no pensamento. Não houve outra saída! Precisou arquivar o projeto que estava desenvolvendo para nutrir essa centelha de imaginação.

Mas agora que contextualizamos a criação desta obra clássica, vamos ao que interessa: a história!

Tudo se inicia no século XIX, em uma cidadezinha chamada “Povinho da Caveira” - nos é apresentado os primórdios do que viria a ser a cidade fictícia “Antares”, localizada no Rio Grande do Sul - na fronteira com Argentina. São descritos “documentos” e registros do diário de um pesquisador estrangeiro, que por ali viajara e hospedara-se nas terras de Chico Vacariano, o proprietário de todas aquelas terras.

Em sua visita, o pesquisador tem diversas conversas com o estancieiro e, em uma delas, indicou a estrela Antares - que é maior que o próprio sol - e, impressionado com o nome, o proprietário rebatiza suas terras.

A partir daí, somos levados a acompanhar a descendência de Chico Vacariano e seus conflitos com uma outra família influente que aparece por aquelas bandas pouco depois, os Campolargo. Uma rivalidade de gerações perdura entre essas duas famílias, com golpes, assassinatos, crimes e confrontos diretos com direito a perseguição e tudo, as duas grandes famílias brigavam por influência e, principalmente, pelo poder sobre aquelas terras.

O tempo passa, e com ele as gerações vêm e vão. Uma tal de “guerra fria” se instala entre as duas famílias que, agora, tentavam superar uma à outra com bens materiais e contatos poderosos (políticos). Da mesma forma, acompanhamos a evolução política brasileira e, ficção e realidade encontram-se nesse cenário, com Getúlio Vargas conseguindo o apoio de ambas famílias através de um “armistício” entre seus patriarcas - Xisto Vacariano e Benjamin Campolargo.

Mas nem os poderosos são imunes aos males de nossa espécie e convalescências levam ambos os líderes familiares, deixando seus herdeiros, Tibério Vacariano e Zózimo Campolargo, como os novos chefes de seus respectivos parentes. As esposas deles eram amigas, fortalecendo cada vez mais o período de paz entre as duas famílias.

É, então, que adentramos na política de nosso país, acompanhando, junto de Tibério, a criação de alguns partidos políticos e o governo de alguns presidentes. Mais e mais metido nas maracutaias governamentais, observamos claramente a hipocrisia humana de nossa sociedade.

“- Barcelona, faz três dias que você está morto. Mas isso é um pormenor sem importância. Afinal de contas, que é o tempo e o calendário para quem já está na Eternidade?”

Agora pense nisso: após tantas falcatruas, arapucas e corrupção, inspirados pelos novos tempos, o proletariado de Antares - apoiado por diversos setores econômicos, entra em greve geral contra os líderes das três maiores empresas da cidade: Mr. Jefferson Monroe III, diretor do frigorífico, M. Jean-François Duplessis, da Franco-Brasileira, e Mr. Chang Ling, da Companhia de Óleos Comestíveis.

A cidade para. Nada mais funciona. Energia, comunicação, fábricas, comércio…e, para piorar a situação, nesse meio tempo 7 pessoas morrem - entre elas, a matriarca de uma das famílias mais influentes daquele lugar: Quitéria Campolargo, esposa do falecido Zózimo Campolargo.

Após a cerimônia de velar o caixão, todos se dirigem ao cemitério para o sepultamento, contudo, chegando lá, uma surpresa desagradável - os grevistas estão cercando a necrópole. O esquife de dona Quita é colocado ao lado de outros 6, que também foram impedidos pelos protestantes de serem enterrados. Com esse impasse não havia o que ser feito, por isso, todos voltam para suas casas.

Mas… você acreditaria se eu dissesse que em uma sexta-feira 13 esses defuntos acordaram do sono eterno, perceberam que não foram enterrados e indignaram-se com isso, decidindo, então, descer até a cidade e exigir o direito de serem sepultados? Pois foi isso que aconteceu.

Aliás, não só isso, mas percebendo que não seriam atendidos devido a falta de vontade dos líderes políticos de negociarem as exigências dos trabalhadores, decidiram colocar a boca no trombone e explanar todos os podres dos quais tinham conhecimento. Traições, crimes políticos, corrupções, ladroagem e muito mais foi exposto ao meio dia na praça da República, área central e mais importante da cidade na frente de todos!

Apesar de todas as verdades serem finalmente ditas, permaneceram insepultos. Não fez mal, pois havia um plano B: empestear a cidade com seus corpos em decomposição. Roedores e urubus foram atraídos pelos defuntos, agravando a situação que já era preocupante.

Por fim, os cadáveres voltam para seus caixões, a greve é resolvida com os trabalhadores conquistando seus direitos e finalmente são realizados os sepultamentos dos 7 mortos. Ainda, os políticos de Antares tentaram apagar da mente da população esse acontecimento fantástico com a “operação borracha”, sendo bem-sucedidos em sua missão - como disse Erico Verissimo através de um de seus personagens: “- Que é o povo? Um monstro com muitas cabeças, mas sem miolos. E esse ‘bicho’ tem memória curta.”

Ele foi perfeito em sua colocação.

“Acho que no Brasil devemos ser pessimistas a prazo curto e otimistas a prazo longo.”

Antes de tudo, preciso agradecer à minha irmã por ter me ouvido e me presenteado com esse livro (e A Linguagem Sentimental das Flores) no meu aniversário em 2023.

Em seguida, preciso confessar que meu interesse por esse livro se deu graças a um post no Facebook que questionava as pessoas que chamam a Literatura Brasileira de chata, apresentando como argumento o enredo de Incidente em Antares de maneira bem peculiar (por falar nisso, concordo plenamente, nossa Literatura é tudo menos chata…).

Afinal, quem não ama uma boa fofoca, não é mesmo? Ainda mais fofoca de pessoas do além túmulo justo em uma sexta-feira 13?

Esse livro é maravilhoso não só pelo incidente em si, mas por toda a parte histórico política que ele apresenta. Observar o modelo governamental pelos olhos tanto do personagem quanto do autor é uma experiência completamente diferente, porque apesar de acompanharmos o inescrupuloso Vacariano, vemos em outros personagens nuances do próprio Verissimo, pois qual autor não coloca um pouquinho de si em sua obra?

Essa mistureba entre realidade e ficção é o que deixa a leitura mais gostosa, já que a cidade de Antares e todos os seus habitantes surgiram da mente fértil de um escritor que a criou com um propósito específico - ser o palco, o cenário e os protagonistas de um acontecimento improvável - e todo fato verídico foi apenas uma contextualização para o que realmente importava: os defuntos jogarem tudo no ventilador!

Demorei mais que o normal para finalizar essa leitura, não pelo livro, mas pelos meus afazeres, contudo a narrativa é bem fluída e leve. Fica aí a minha recomendação!

E você? Quem você gostaria de assombrar e o que gostaria de dizer quando estiver do lado de lá do véu? - Comenta lá no nosso post!

“- A progressão social repousa essencialmente sobre a morte. Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos.”

Erico Verissimo

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