“Longe de ser um livro restrito ao público infantil, como suas muitas adaptações o faz parecer, As Viagens de Gulliver é o retrato de uma época e de um autor desiludido e amargurado com o ser humano. Contando com um olhar satírico e crítico, e trazendo viagens que chamam a atenção pelo seu viés aventureiro e fantástico a terras nunca imaginadas, a obra nos guia através do países de Lilliput, Brobdingnag e outras terras, de forma a questionar a resiliência humana e a sede por poder dos homens.”
Editora: Novo Século
Autor: Jonathan Swift
Ano da 1ª publicação: 1726
Ano desta edição: 2022
Gênero: Literatura fantástica, Aventura
Páginas: 296
Essa obra clássica - e peculiar - escrita por Jonathan Swift reúne elementos fantásticos, relatos de viagens, crítica social e sátiras que colocam o leitor para pensar sobre a humanidade e seus efeitos em relação não só à natureza, mas à própria humanidade.
Iniciando a narrativa com uma carta endereçada ao seu primo Sympson, o “escritor” é também o protagonista do livro. Ele comenta rapidamente sobre o processo de publicação dos seus relatos de viagem e critica algumas mudanças que foram feitas para agradar o público - é interessante ver essa interação do personagem como se fosse uma pessoa real. Mas seguindo para a história em si, Gulliver era um jovem de família humilde e sem grandes posses. Sendo o terceiro de cinco filhos, graças ao padrinho que custeava suas despesas acadêmicas, formou-se em física, pois sabia que seria útil para alcançar seu objetivo: viajar.
Tornou-se cirurgião e se casou com Mary Burton apenas por conta do dote que receberia, logo partindo em suas tão sonhadas viagens. Entretanto, parece que infortúnios o acompanhariam por toda a sua vida - não demorou muito e sofreu um naufrágio indo parar em uma ilha que logo descobriria ser um reino chamado Lilliput - onde todos os seus habitantes eram de tamanho diminuto. Gulliver era como um gigante para eles.
Lá, o cirurgião viveria aventuras inimagináveis, ganhando a simpatia e o favor do rei ao defender aquele povo contra o reino inimigo, Blefuscu. Contudo, suas proezas também lhe renderam inimigos na corte, nobres que fizeram a cabeça do rei contra o estrangeiro, o que fez com que este tivesse que buscar refúgio no reino rival. Com a colaboração do rei de Blefuscu, Gulliver conseguiu construir um bote que o levaria de volta a sua terra natal: Inglaterra. O aventureiro ficou pouco tempo com sua família antes de partir em uma nova viagem.
Ao perceber que as provisões do navio estavam acabando, o capitão decide ancorar na próxima terra firme que avistasse. Ao ancorar e desembarcar, encontram uma terra seca e com muitas rochas. Gulliver se afasta do grupo para conhecer a área e, quando retorna, avista seus companheiros fugindo de uma figura gigantesca. Não demora muito e o homem percebe que estava em um outro reino desconhecido que tinha como habitantes pessoas de estatura extremamente elevada - o nome do local era Brobdingnag.
Lá é tratado como um “pet” ao ser “adotado” por um fazendeiro. Ele era bem cuidado e servia principalmente à filha mais nova do gigante, a quem chamava de “pequena ama”. As pessoas de Brobdingnag nunca tinham visto um ser humano tão pequeno como Gulliver e, pensando em enriquecer, o fazendeiro decide sair por todas as cidades do reino levando-o para se apresentar em shows. Em uma dessas apresentações, a rainha fica encantada e decide comprar o estrangeiro do fazendeiro que, achando que o pequeno ser não viveria por muito tempo, acredita ter feito um bom negócio ao vendê-lo. Por ser a única que sabia como cuidar dele, a “pequena ama” também é admitida na corte.
Depois de viver mais intrigas entre os nobres e se aventurar naquela vida de “pet”, certo dia, enquanto descansava dentro de sua pequena caixa/quarto na praia, uma águia o captura e, sendo perseguida por outras duas águias que competiam pelo alimento, o deixa cair no mar. Gulliver é resgatado por marinheiros que, incialmente, pensam que ele estava louco. Com provas de sua nova aventura, ele é levado de volta para casa onde fica por mais algum tempo em companhia da família antes de partir na sua próxima viagem.
Ao ser capturado por piratas em sua terceira viagem, Gulliver é abandonado à deriva, mas logo encontra um novo reino estranho e curioso: uma ilha flutuante que se chamava Laputa. Nesse local os habitantes perdiam o foco do que faziam, falavam e escutavam muito rapidamente e, por isso, dispunham de “batedores”, servos que batiam em suas bocas e/ou ouvidos para que se lembrassem do que faziam, falavam ou ouviam.
O viajante conhece o estranho modo de vida dessas pessoas e seu método de governo. Não fica por muito tempo, já que pede para partir em direção ao continente e sua metrópole - que também pertenciam ao rei de Laputa, porém se chamavam Balnibarbi e Lagado, respectivamente. Nesse novo lugar, Gulliver conhece a academia, um edifício que abrigava os inventores dessa população. Essas pessoas queriam inventar coisas mirabolantes, mas que nunca davam certo e eram sempre abandonadas pela metade. O homem observa suas criações linguísticas, de engenharia e arquitetura, de saúde e de governo.
Ao partir, ele segue até Maldonado - um local em que esperava encontrar um navio que o levasse até o Luggnagg, e de lá até o Japão, para que conseguisse voltar para a Inglaterra. Porém, como não havia nenhuma embarcação de partida, ao convite de um colega, decide se aventurar em um novo reino: Glubbdubdrib, onde é recebido pelo governador - um mestre da necromancia. Ao seu pedido, o nobre invoca personalidades famosas da filosofia e da política para que pudesse ter suas perguntas respondidas. Gulliver percebe então a malícia da humanidade ao deturpar a história ao seu bel prazer e ver a que ponto a sociedade se corrompeu desde sua origem.
Após adquirir tantos conhecimentos, o aventureiro volta para Maldonado e segue com um navio até Luggnagg, onde fala sobre suas aventuras e conhece os “struldbrugs” - uma parte da população que nascia com uma mancha na testa que indicava imortalidade. Ao debater sobre a possibilidade de viver para sempre, Gulliver é atingido com a dura realidade - viver para sempre não significa ser jovem para sempre. Os struldbrugs envelheciam, adquiriam doenças, tinham Alzheimer, eram de difícil convivência e viveriam dessa forma para sempre. Desiludido com tudo o que aprendera, veleja até o Japão e retorna em um navio holandês para Amsterdã e de lá para a Inglaterra.
Ainda assim, Gulliver não desiste de viajar e - depois de um tempo com a família - parte mais uma vez, agora como capitão de seu próprio navio. O problema é que sua tripulação morre aos poucos pelas doenças que contraíam no mar e, substituindo-os por outros marujos de origem duvidosa, acaba sofrendo um motim e sendo abandonado em uma ilha para morrer. Acontece que essa ilha era o reino de Houyhnhnms, um local em que a população era composta por cavalos falantes que viviam na mais perfeita ordem e paz. Sua sociedade era uma verdadeira utopia em que não haviam fingimentos, mentiras, corrupções e vícios.
Os humanos nessa ilha eram chamados de “yahoo”, e eram seres abomináveis e selvagens, sem nenhum resquício de racionalidade. Ao conviver com esse povo, Gulliver desaprende a mentira, a enganação, o fingimento, o excesso, o vício, a corrupção, o mau caratismo e tudo de ruim que existe na humanidade, passando a viver na mais perfeita conduta e desejando poder conviver com os houyhnhnms para o resto de sua vida. Os membros do conselho desse povo, entretanto, desaprovam a presença do humano entre eles e o obrigam a partir de volta para o mar.
Desiludido, Gulliver retorna para a Inglaterra e para a sua família, porém com traços de personalidade que assimilara daquele povo no tempo em que passou naquela terra. Comparando o que aprendera com o que vivenciava na sociedade inglesa, o narrador reflete sobre o orgulho da humanidade e sobre seu desprezo para com tais yahoos, desejando civilizá-los e ensiná-los sobre os princípios da honra, da justiça, da verdade, da temperança, do espírito público, da coragem, da castidade, da amizade, da benevolência e da fidelidade.
Quem dera fosse tão fácil…
Acompanhar Gulliver em suas viagens foi verdadeiramente uma aventura.
Com sua escrita leve, detalhista, irônica e - por vezes - filosófica, Jonathan Swift nos faz questionar se tais relatos não foram verídicos… é de fato uma literatura fantástica com seres humanos diminutos e gigantes, uma ilha flutuante, aparições de figuras históricas, imortais e até mesmo cavalos falantes…
Considerado uma narrativa infanto-juvenil, As Viagens de Gulliver não apresenta restrições de idade. É uma obra que nos coloca para pensar em temas que são tão atuais hoje quanto no século XVIII.
Ao pensar sobre a jornada do protagonista, percebemos que acompanhamos a mudança na visão que este tinha com relação à humanidade. Gulliver inicia sua aventura com a concepção de que sua sociedade era superior a todas as outras (Lilliput), vendo-se como gigante em relação a outros povos. Mas ao presenciar outras civilizações tão ou até mais avançadas que a dele, vai se percebendo insignificante e diminuto (Brobdingnag).
Ainda assim, via-se como parte de uma sociedade intelectualmente avançada, logo ficando entediado com as loucuras que observara em outros reinos (Laputa e Balnibarbi). Porém compreende a corrupção, a enganação e o mau-caratismo existentes em seu próprio povo ao adquirir novos conhecimentos sobre a história humana (Glubbubdrib) e percebe a fugacidade da juventude e da boa saúde, e que ninguém está a salvo dos males da carne (Luggnagg).
Por fim, conhece a utopia e como seria a sociedade caso não houvesse tudo aquilo que corrompe a carne, o intelecto e o caráter do homem (Houyhnhnms). Como viveríamos em perfeita harmonia não só entre nós mesmos, porém com a natureza também e tudo ao nosso redor se a verdade, a justiça, a fidelidade, a bondade… - as virtudes - prevalecessem sobre o orgulho, a inveja, a ganância, a maldade… - os vícios.
Porém, por não fazer parte de tão perfeita sociedade, é expulso do paraíso e relegado a voltar para o meio dos seus conterrâneos cheios de máculas e corrupções.
Enfim, essa é uma obra que dá pano para manga em sua análise, e pede uma leitura mais reflexiva e atenta às críticas implícitas nos acontecimentos e experiências vividas por Gulliver.
É entretenimento e reflexões profundas que você quer, leitor? As Viagens de Gulliver é perfeita para você!
Conta para mim o que você achou depois?
Jonathan Swift
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